Da. Solução e Da. Prosperidade

    
Depois de estar alguns dias fora, passei pela empresa do Sr. Mandão e parei para dizer olá. Desta vez fui surpreendido com um sorriso intenso de Da. Chiquinha seguido de um sinal gentil de quem oferece um lugar para sentar. Ofereceu um café e também perguntou se queria ser servido ali ou na sala do Sr. Mandão. Não hesitei em dizer que tomaria ali mesmo — era tanta gentileza que gostaria de saber o que se passava fazendo algumas sondagens.

— Da. Chiquinha, como vão as coisas por aqui? — foi só perguntar que ela parecia estar esperando por esta oportunidade há algum tempo.

— Sr. Dirceu, o senhor não sabe o que aconteceu! — Exclamou em voz baixa. — Depois que o senhor saiu daqui aquele dia, esta empresa não foi mais a mesma. Primeiro, o Sr. Mandão passou dias muito reflexivo, parecia que estava em transe. Depois começou a fazer tantas reuniões que perdi a conta, até eu fiquei cansada de agendar com tanta gente reuniões e mais reuniões. Fiquei preocupada, pensei que estávamos com algum problema financeiro sério até o dia que ele me chamou e disse — agora é a sua vez Da. Chiquinha — fiquei branca, pensei que era meu último dia na empresa, mas não foi nada disso que aconteceu. Em 12 anos que trabalho aqui, pela primeira vez fui consultada a respeito da necessidade ou não de se fazer mudanças na empresa.

— Que bacana Da. Chiquinha! — exclamei. — e o que a Sra. respondeu ao Sr. Mandão?

— Olha Sr. Dirceu, eu não sei não, eu disse à ele que não podia opinar porque não tinha conhecimento de nada, mas agradeci seu interesse em me perguntar. Sabe, Sr. Dirceu, eu realmente me senti importante naquele dia e mais ainda quando começamos a fazer um monte de mudanças na empresa e entendi que não é preciso ter MBA para dar solução aos problemas.

Neste momento Sr. Mandão sai de sua sala e entra na recepção e ao me ver me recebe com um forte abraço e me diz — Dirceu, que bom que você veio nos visitar, espere só para ver o que aconteceu desde a última vez que você veio aqui, vamos entre! Da. Chiquinha, por favor, estarei ausente nas próximas horas.

— Dirceu, você me deixou com uma grande lacuna naquele dia. Meus pensamentos não paravam de me perseguir a todo instante, até que resolvi parar e começar a responder as perguntas que me vinham a cabeça: Por que as pessoas trazem tantos problemas para serem resolvidos por mim? Por que não existem pessoas dispostas a resolver as coisas se elas fazem isso na casa delas? Por que será que tenho que contratar uma pessoa para cada tarefa? Por que? Por que? Por que???

— Nossa Sr. Mandão, realmente eu não queria lhe perturbar, apenas conversamos sobre algumas possibilidades.

— Não se faça de desentendido Dirceu, foi muito boa a reflexão que você despertou em nós. Venha vou lhe mostrar o que estamos fazendo.
Passamos a visitar a empresa e Sr. Mandão mostrava sua satisfação no que estava fazendo com um grande sorriso estampado no rosto, cumprimentando à todos pelo nome. Nessas alturas eu estava realmente maravilhado com a mudança. Aí comecei a fazer perguntas para matar minha curiosidade.

— Sr. Mandão, mas o que realmente foi feito para ocorrerem estas mudanças?

— Veja bem Dirceu, percebi que a primeira coisa que fazia com que as soluções dependessem somente de mim era que não havia diálogo. Tudo era decidido de forma autoritária por mim. A segunda coisa foi discutir abertamente o que queríamos da empresa, e este foi meu grande desafio, eu nunca parei para compartilhar o destino da “minha” empresa com terceiros, passei duas semanas angustiado, não sabia onde íamos parar. Afinal minha experiência dizia que ia ser sacrificado por todos os funcionários, todos achavam que só eu ganhava, era a oportunidade que faltava para haver uma redistribuição de renda forçada, isto me deixava desesperado.

— Imagino, Sr. Mandão! Mas como o senhor conseguiu contornar este problema?

— Bem, não foi, não está e não será fácil manter esta relação de confiança. Tive que me expor muito para demonstrar que havia boas intenções, isto é, tive de tomar atitudes diferentes das habituais, isto me custou absolutamente nada, pelo contrário, ganhei parceiros, acontece que comecei a compartilhar meus valores e as pessoas que se identificavam, se aproximavam. Nesse meio tempo, não podíamos ficar nesta situação êxtase espiritual apenas, precisávamos gerar resultados práticos na empresa. Foi quando começamos a traçar objetivos comuns. Isto nos uniu e o principal é que facilitou enxergar onde queríamos chegar. Foi engraçado, muito engraçado! Na semana seguinte dos objetivos já definidos, fiquei totalmente perdido, ninguém vinha fazer perguntas do que deveriam fazer.

— Mas não era isso que o senhor queria, que as pessoas passassem a dar soluções?

— É, mas o que eu não me sentia bem e ainda estou um bocado incomodado é que as soluções não são bem as que eu faria. Cada um pensa de um jeito diferente, para chegar num lugar há vários caminhos diferentes, uns mais curtos, rápidos, outros mais complicados, parece uma eternidade, e às vezes a empresa não tem esse tempo e nem opção de mercado.

— E o que o senhor faz neste caso?

— Olha Dirceu, eu não estou certo em tudo, mas procuro acertar o máximo. Um exemplo é um cliente de grande porte que está exigindo ISO 9000, se fornecermos para eles, abriremos novos mercados, possibilidades e desafios, é interessante não acha? E isso virou um problema interno; como começamos este trabalho de objetivos e metas e esta opção não foi aventada em momento algum, há resistência em ir por esse caminho. Por outro lado, todos estão falando que vamos voltar ao modelo anterior de tarefeiros, afinal, ISO são normas, procedimentos, instruções, enfim, o engessamento da empresa.

— Com certeza Sr. Mandão, esta é uma questão e tanto. Hoje o mercado internacional está centrando o foco em barreiras técnicas e isto vem sendo exigido das empresas que querem se internacionalizar e tem gerado exatamente este conflito: seremos empresas racionalistas e globalizadas ou podemos ser globalizados com alma. Esta discussão é sadia porque a implementação de normas como a ISO aumenta o “corpo” da empresa de maneira muito aviltante e isto pode gerar problemas com a “alma” se não equilibrarmos as doses.

— Espera aí Dirceu, que história é essa de corpo grande e alma?

— Não quero me alongar, mas isto é uma linha de pensamento de um amigo consultor, Roberto Adami Tranjan, e que procuro seguir. Resumindo, se é que podemos, vamos olhar a empresa em três dimensões, o corpo, a mente e a alma. O corpo corresponde a todos os processos, estrutura, partes físicas, monetárias da empresa, enfim, tudo que é tangível e mensurável. A mente se refere às estratégias, a relação com o mercado. Já a alma está ligada às relações humanas e seus efeitos na empresa. Manter estas três dimensões em equilíbrio e desenvolvidas leva a empresa à prosperidade. Então, quando implementar um sistema de gestão da qualidade, que é praticamente corpo, precisamos estar preparados para desenvolver os outros dois lados, da alma e da mente, caso contrário o desequilíbrio pode gerar insatisfação e a relação do mercado ser afetada, entre outros, no foco da empresa.

— Entendi Dirceu, isto quer dizer que antes de tomar esta decisão precisamos rever nossos objetivos e metas para que a solução não vire um problema?

— Não só isso, mas a visão e suas estratégias, e esta avaliação não é necessariamente demorada, vai depender de como a empresa evoluiu nas três dimensões.

— Olha Dirceu, estou cada vez mais empolgado com as transformações que podemos fazer. Mas e a história da Da. Solução e Da. Prosperidade que você falou que ia contar em outra oportunidade?

— Sabe Sr. Mandão, hoje percebi que esta história já está sendo escrita por muitas pessoas e o senhor é uma delas, é o início, mas um grande início.


Dirceu Ferreira

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