SR. TAREFA e SR. MANDÃO

    

Estava conversando com um amigo outro dia desses e observando o que acontecia em sua empresa resolvi contar esta historinha do Sr. Tarefa e Sr. Mandão.

Sr. Tarefa trabalha em uma empresa com grande tradição em sua cidade, A empresa "Salve-se Quem Puder" até então nunca teve problemas, ou melhor, na opinião do Sr. Mandão, proprietário, não tinha problemas até os últimos 3 anos.

Fui conversar com o Sr. Mandão para entender o que estava acontecendo com sua empresa. Entrei numa sala, da secretária, que era do tamanho da sala de visitas e jantar, juntas, do meu apartamento e me apresentei. Ela me anuncia pelo interfone e pede que ficasse aguardando que ele já iria me atender. Sr. Mandão sai de sua sala e me cumprimenta. No mesmo instante, olha para o chão e diz à sua secretária — Da. Chiquinha, já não lhe falei que devemos juntar os clipe, isto custa dinheiro, nesta empresa só eu sei o quanto custa um clipe!

Entramos em sua sala, o dobro do da recepção. Sr. Mandão, antes que eu conseguisse me manifestar, começou a reclamar — Há anos repito a mesma coisa e estes funcionários não entendem. Só que é sempre isso, viro as costas e ninguém quer nada com nada, só me trazem problemas, nenhuma solução, parece até que ninguém tem cérebro!— Em seguida passou a me explicar que sua empresa tem todo aquele sucesso graças aos anos que trabalhou para construir a credibilidade de sua marca. Um outro motivo de seu sucesso dizia ele com orgulho — Nunca recorri a bancos! Se entro em dificuldades, espremo todas as despesas e o que der para empurrar com a barriga, empurro. Depois de uns 15 minutos conversando sobre suas histórias pedi para dar uma volta pela empresa e o Sr. Mandão prontamente pediu para chamar o Sr. Tarefa.

Adentra um homem alto e alvo, com um sorriso muito simpático na face. — Sr. Tarefa, leve o Dr. Dirceu ao departamento administrativo-financeiro, marketing , depósito e também à expedição.

Saímos dali e como havia dito o Sr. Mandão, o Sr. Tarefa me levou aos lugares na mesma ordem do patrão. Perguntei ao Sr. Tarefa — Há quanto tempo trabalha aqui? — E ele respondeu prontamente — Há 13 anos e dois meses, com muito orgulho sim senhor!

No depósito, uma movimentação muito grande, foi quando vi o encarregado se aproximar do Sr. Tarefa e dizer — A empilhadeira parou de funcionar! — Sr. Tarefa então pediu licença e foi ao interfone — Sr. Mandão a empilhadeira parou de funcionar o carregamento para os clientes vai atrasar. — Neste momento o Sr. Tarefa afasta o fone do ouvido e aguarda o chefe esbravejar.

No meio de nosso passeio pela empresa, estávamos no departamento de marketing e vendas, era uma reunião da equipe. Pedimos licença e ficamos observando. A pauta era a diminuição da carteira de clientes. Entre as opiniões de um e outro, muita cobrança e acusações — As empresas não tem e-mail e como vou usar este sistema de comunicação que você inventou de implantar— dizia Ângela, auxiliar de vendas, para o gerente Sr. Eduardo que retrucava — você não fez o “telemarketing” para as empresas que eu mandei?— Fiz, e a maioria delas disseram que a empresa não tem e-mail. — respondia Ângela. — E você não me avisa nada para podermos tomar uma outra providência. — falava Eduardo. Pedimos licença e saímos.

Para meu espanto, Sr. Tarefa vira para mim e fala — Tá vendo Sr. Dirceu, tá todo mundo assim, nervoso, parece que nada dá certo. Por isso que eu digo pro Sr. Mandão que só ele fazendo as coisas pra ir pra frente.

Fomos ao departamento administrativo-financeiro. Lá as pessoas estavam concentradas em seus serviços, o único barulho era da impressora e de uma pessoa ao telefone fazendo cobrança de clientes. De vez em quando alguém falava alguma coisa suavemente. Parecia que ninguém queria despertar algum monstro. Tocou o telefone na mesa do gerente, era o Sr. Mandão. O gerente, Sr. Alberto depois de desligar o telefone se levanta e corre para a mesa de um auxiliar e pede para ligar para a empresa de manutenção de empilhadeiras e pedir que eles venham urgentemente. Depois esbraveja — Ta vendo Sr. Tarefa esse pessoal do depósito não toma conta das coisas direito e acaba que nós que pagamos a conta.

Já era meio dia e tocou a sirene. Percebi que o Sr. Tarefa estava querendo me dizer alguma coisa e me antecipei e pedi para voltarmos a sala do Sr. Mandão. Ao chegarmos, Da. Chiquinha estava saindo para o almoço e perguntou ao Sr. Tarefa se ele não ia junto e tristonho Sr. Tarefa responde — Não pode ir, acho que ainda vou demorar, hoje é daqueles dias. Entramos na sala do Sr. Mandão, lá estava gritando ao telefone com o encarregado do depósito. Após desligar, pediu ao Sr. Tarefa para ir pegar seus filhos no colégio, avisar a esposa que não iria para o almoço e que podia comer lá em sua casa. Olhou para mim e disse — E aí Sr. Dirceu o que achou?

Me despedi do Sr. Tarefa agradecendo a atenção e ele saiu em silêncio. Aí me sentei em frente ao Sr. Mandão e disse — Sr. Mandão, observei várias coisas mas no momento acredito que a principal causa dos problemas são as tarefas.

Sr. Mandão me corta e diz — Não, Sr. Dirceu, o Sr. Tarefa é meu braço direito, sem ele não faço nada.

Imediatamente percebi a confusão que fiz e corrigi — Perdão Sr. Mandão, não quis acusar o Sr. Tarefa, me referi a forma como as pessoas estão executando seus trabalhos, as tarefas.

Uma gargalhada e um suspiro — Puxa o senhor me assustou. Me explique melhor, as pessoas não estão fazendo suas tarefas, eu sabia!

— Não, Sr. Mandão, pelo contrário, elas estão fazendo exatamente as tarefas. — respondi.

— Mas como? — retrucou.

— Vou explicar.— comentei.

— Como o senhor contrata seus funcionários? — perguntei.


— É exatamente este o problema Sr. Mandão, as pessoas estão fazendo suas tarefas, mas o que é que o senhor está atrás não é de tarefas executadas, é?

— Claro que não, o que eu quero é lucro! — exclamou.

— Ótimo, e lucro é resultado, o que o senhor quer das pessoas é resultado e não tarefas cumpridas. E aí está o problema. Observei esta manhã ...

— Espere Dirceu, você não almoça, que tal irmos comer e depois voltamos para conversar.

— Eh! Ninguém é de ferro.

Saímos para um pequeno restaurante próximo à empresa. Muito aconchegante e uma comida italiana deliciosa. Durante o almoço, comemos um Fettucine com frutos do mar – molho vermelho com refogado de camarões, mexilhões (mariscos), lula e vongule, tudo isso no azeite, alho e alecrim. O papo no almoço foi mais pessoal, percebi quão boa era a pessoa do Sr. Mandão, seus princípios, educação, ajuda à comunidade, um homem que todos reconheciam e respeitavam.

Na volta ao escritório, pensava como são as coisas; uma pessoa tão boa, inteligente e que na empresa não consegue ter a mesma desenvoltura, suas atitudes chamam os problemas, a raiva, o stress. E isso é muito comum, normalmente nos achamos bons o suficiente e os outros é que estão errados, queremos que as coisas sejam feitas da nossa maneira, não respeitando o que cada um pensa, sem perceber que existem várias formas de se atingir o mesmo lugar, cada qual da sua forma, afinal somos diferentes. Esquecemos que as pessoas trabalham porque precisam financeiramente e principalmente porque precisam de uma atividade que gostem, que façam com amor, afinal 1/3 de nossas vidas ou mais dedicamos a estas coisas.

Bem, chegamos na empresa e o Sr. Mandão questionou onde havíamos parado. Pedi que refletisse um pouco sobre o ele era fora da empresa e lá dentro, passou dois minutos e disse:

— Dirceu, você está provocando uma grande confusão, o que tem isso a ver com as tarefas e resultados.

— Caro Sr. Mandão, estou tentando lhe questionar de que forma o senhor prefere viver, da forma que o senhor vive lá fora ou aqui dentro.

— Mas eu sou a mesma coisa em todos os lugares. Não existe esta diferença.

— Sr. Mandão, seus funcionários trabalham realizando tarefas que, na visão deles, vão sempre ser da mesma maneira. Isso lhes tira o doce da vida, não os motiva, seus prazeres ficam do lado de fora da empresa, é a família, os amigos, o descanso no meio do trabalho, o almoço divertido entre os colegas de trabalho, mas nunca o trabalho.

— Mas as coisas têm de ser feitas, Dirceu.

— Concordo, e serão. Acontece que podemos fazer com que as coisas sejam feitas de forma que cada um entenda o resultado que será gerado e cada um tenha controle sobre sua forma de trabalhar. Observe a questão da empilhadeira: não seria ideal que o próprio operador do equipamento entendesse os problemas que pode gerar sua parada e promover um plano de manutenção preventiva, orçado, com paradas programadas, sem sustos. E se ele ao invés de ser contratado para carregar mercadorias de um lado para o outro, ele fosse contratado para solucionar o problema de deslocamento interno de cargas.

— É isso solucionar problemas, isso os funcionários não fazem, tudo sou eu. — reforça sua teoria, Sr. Mandão.

— Solucionar problemas é o que todos nós temos capacidade de fazer e não usamos porque não somos educados para isso. Nossos mestres, na escola, no trabalho, em casa, são viciados em educar para resolver os problemas conhecidos através da repetição, e a vida não é uma repetição, é um filme que só passa uma vez para cada um de nós. Não é à toa que é fácil nos substituir nas indústrias por robôs. E o pior é que continuamos insistindo nisso.

— Esta é uma visão bem radical, Dirceu. E qual a solução?

— Bem, esta é outra história que lhe conto da próxima vez, a história de Da. Solução e a Da. Prosperidade. Até logo Sr. Mandão.


Dirceu Ferreira

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