As relações humanas e o dever de sentar-se

    

 

Quem nunca observou diretores e gerentes de empresas que não conversam entre si, ou só conversam assuntos não
polêmicos; funcionários que fazem panelas uns contra os outros para firmar posições; ou ainda alguém falar que não gosta de outra pessoa sem nunca ter tido convívio. São alguns tipos de conflitos de relacionamento comuns no dia a dia.

Tenho trabalhado há algum tempo em consultoria e a técnica de sessão de feedback tem sido bastante utilizada nas empresas como forma de mediação das tensões. Acontece que esta técnica também tem sido muito mal utilizada, gerando apelidos impossíveis de serem escritos. A palavra feedback ficou vulgarizada a tal ponto de muitos se sentirem ofendidos quando solicitados a dar um feedback ou ao receber.

Em minha vida católica encontrei um termo que substitui bem a palavra e o conceito de feedback — Dever de sentar-se. Usado por equipes de casais que procuram uma vida espiritual e conjugal em harmonia, o dever de sentar-se é feito a três — o casal e o Senhor. Não estou sugerindo uma religião mas o princípio — sentar-se periódica e obrigatoriamente para conversar sobre as realizações, problemas, a conduta pessoal perante o outro, ouvir do outro suas dificuldades, sentir o que o outro sente, buscar soluções que acabem ou atenuem estas dificuldades. Se desarmar, amando.

Ora, misturar amor e empresa não dá certo, é coisa de “banana”! Já ouvi muitos exclamarem desta forma e por isso suas empresas estão cada vez mais sendo odiadas, ou apenas cobradas por cifrões. Se uma empresa é formada por pessoas, então o amor está presente e seu contraponto também, o ódio. Quando muitos dirigentes acreditam que a mola propulsora do mundo e das pessoas é só dinheiro, isto fortalece o lado do ódio, das diferenças, e o diálogo sob o ódio não é diálogo é guerra, é a lei do mais forte.

Sentar-se e conversar sem colocar adjetivos ao outro, citando fatos e dados ao invés de frases genéricas: “Em tal dia eu me senti desvalorizado quando você não elogiou o trabalho de campo que a equipe se empenhou tanto em fazer” e não “você nunca elogia os nossos trabalhos”; “Me senti sem respaldo da empresa quando você disse a tal cliente que não eu estava preparado para atender” no lugar de “ Você foi sacana em dizer ao cliente que meu trabalho é uma porcaria”. Palavras podem ofender e criar posicionamento de defesa e ataque e não de solução de problemas.

Algumas pessoas questionam se ao receberem críticas podem responder — não é desejável. Responder é a primeira reação natural das pessoas ao serem confrontadas com suas atitudes e isso é um erro. Ouvir, aceitar que é o sentimento do outro em relação a seu comportamento em função da percepção que ele tem de suas atitudes, do que você provoca (mesmo sem a intenção). Também, responder na forma de feedback não é aconselhável, só irá demonstrar que você não está disposto a reconhecer o que o outro sente, está reforçando as diferenças. O melhor é buscar saber o que o outro deseja que você faça, pergunte, sem ironia e sem furor é claro. Após isso procure assumir um compromisso do que fará para evitar o problema novamente, seja objetivo ao citar as ações.

Um certo dia entrei no escritório e fui abordado por alguns colegas de trabalho. Pediram uma reunião comigo para resolver um problema de relacionamento entre as áreas. Me pediram, então, para interferir junto à um outro colega para que ele passasse as informações da área de orçamento de projetos de acordo com os planos de contas da empresa pois o diretor financeiro está furioso porque não tem como confrontar informações orçadas com as realizadas.

Percebi que o problema era muito maior que a simples forma de informação de dados de um setor para outro, os envolvidos não sentavam para expor, ouvir e resolver problemas, sejam eles de relacionamento pessoal ou profissional. Cada um cria seu conceito próprio a respeito, de acordo com suas crenças e valores, cultivando rancor, mágoas. Assim, ninguém se arriscava a conversar com o outro setor para não aumentar o problema, pois fagulhas sairiam com certeza.

Como ninguém se manifesta, grupos, ou melhor, panelas, se formam em torno de uma idéia comum que se confronta com a de outro grupo. Está formado o perfeito terreno para um conflito.

Se você não quer este clima no seu dia-a-dia, então experimente o dever de sentar-se.

Experimente! Experimente! Experimente! Experimente! Experimente! Experimente!


Dirceu Ferreira

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